23/01/2009

Afinal, a Antárctida tem vindo a aquecer a um ritmo comparável ao do resto do mundo

Público online 22.01.2009Ana Gerschenfeld

Será este o início do fim da ideia de que a Antárctida é relativamente imune aos efeitos do aquecimento global? É o que sugerem resultados publicados hoje na "Nature".

Há anos que os especialistas acreditam que só uma pequena porção da Antárctida - a península na parte ocidental, perto da extremidade austral da América do Sul - está a aquecer, enquanto o resto da Antárctida ocidental, e toda a Antárctida oriental, têm vindo a arrefecer. Mas, no novo estudo, as "metades" ocidental e oriental da Antárctida, separadas pelas Montanhas Transantárcticas, mostram comportamentos opostos e o primeiro bloco está globalmente a aquecer a olhos vistos.

Eric Steig, da Universidade de Washington, e colegas, utilizaram, pela primeira vez, registos meteorológicos de satélites e desenvolveram um modelo matemático que, ao integrar esses dados e os de estações meteorológicas no solo, fornece novas estimativas da evolução das temperaturas. E afirmam que, nos últimos 50 anos, todo o Ocidente da Antárctida, e não apenas a Península, tem estado a reagir da mesma forma que o resto do planeta ao aquecimento global.

Segundo eles, o aquecimento da Antárctida Ocidental é de 0,17 graus por década e ultrapassa largamente o arrefecimento na Antárctida Oriental. Juntando os dois, a tendência é para um aumento de 0,1 graus por década - e o aquecimento do continente gelado comparável à média planetária (estimada em 0,6 graus nos últimos 50 anos).

"Uma das novidades do estudo", disse ontem Stieg em conferência de imprensa telefónica, "foi a utilização de dados de satélites. Muitos cientistas não confiam neles, pois medem a luz infravermelha irradiada pela superfície do gelo, o que pode não ser fiável em dias nublados. Nós mostrámos que a correlação entre os dados dos satélites e as medições feitas no solo é muito boa." A enorme vantagem dos satélites é que cobrem também o interior do continente, ao passo que as estações meteorológicas costumam estar perto das costas antárcticas, onde são mais acessíveis à manutenção, fazendo do interior uma terra incógnita climática.

Façam as contas

Por outro lado, as estações no solo operam desde 1957, enquanto os satélites só fornecem dados há 25 anos. O segredo está na modelização matemática, refere Steig, com alguma ironia, num comunicado da sua universidade: "Em vez de fazer contas à pressa nas costas de um envelope, nós resolvemos um problema matemático; fizemos as interpolações com muito cuidado."

"Estamos sempre a ouvir", salienta o investigador, "que a Antárctida está a arrefecer, mas isso não é verdade. Claro que a realidade é complexa e que a taxa de aquecimento não é igual em todo o lado, mas os dados provam que o continente está globalmente a aquecer."

Uma das razões apontadas para o arrefecimento de partes da Antárctida é o buraco de ozono, que aparece por cima das regiões polares do hemisfério sul na Primavera. Mas Stieg acredita que a situação vai evoluir: "Os esforços para regenerar a camada do ozono vão acabar por surtir efeitos e o buraco poderá desaparecer já em meados deste século. Se isso acontecer, toda a Antárctida poderá começar a aquecer ao mesmo ritmo que o resto do mundo."